Tem-se o hábito de chamar de especial tudo aquilo que não se
vê ou não se faz com frequência, ou seja, o extraordinário. De certa forma, é
isto o que ocorre, também, com os Créditos ou Cartas de Crédito Especiais.
À vezes, o que se tem não é um Crédito especial, e sim, um
Crédito com cláusula(s) especial(ais). Para o nosso propósito, no entanto, não
é importante fazer a diferença entre eles. O mais importante é conhecê-los.
1. Crédito
Transferível (transferable credit)
É aquele ao amparo do qual o Beneficiário (1º Beneficiário)
tem o direito de solicitar ao Banco Designado (Banco Transferidor ou Transferente),
nos termos do art. 38, da Publicação 600, que coloque o Crédito, no todo ou em
parte, à disposição de outro(s) Beneficiário(s) [(Segundo(s) Beneficiário(s)].
A não ser que o Crédito estabeleça expressamente de outra
forma, o Crédito Transferível somente pode ser transferido uma única vez. Isto
significa que o Segundo Beneficiário não pode transferir o Crédito para um
Terceiro Beneficiário. Mas, o Segundo Beneficiário pode fazer a “retransferência”
ao Primeiro Beneficiário.
O Crédito poderá ser transferido a mais de um Segundo
Beneficiário somente se forem permitidos saques ou embarques parciais.
É
importante observar que o Crédito somente será considerado transferível se
nele constar a palavra transferable
(transferível). Termos como divisível (divisible),
fracionável (fractionable), cedível (assignable), transmissível (transmissible) nada significam e não devem
ser utilizados.
Transferência não é endosso feito pelo
Primeiro Beneficiário e somente pode ser efetuada por um banco. Entretanto, o
banco a quem esta foi solicitada não será obrigado a efetuá-la, a não ser nos
limites estabelecidos no Crédito e da forma que tal banco
tenha expressamente concordado. Isto significa que o Banco Transferente, na
prática, não é obrigado a transferir o crédito. Neste caso, a transferência
poderá ser solicitada ao próprio Banco Emitente.
O pano de fundo de um Crédito Transferível,
em regra, é uma operação triangular. Normalmente, o Primeiro Beneficiário é um
intermediário. Não é nem o produtor nem o comprador final. Por essa razão, ao
solicitar ao Banco Transferente a transferência do Crédito, o Primeiro
Beneficiário pode fazer algumas modificações em relação ao Crédito original, já
previstas na UCP60 referentes ao valor do crédito, preço unitário, data de
vencimento, período para apresentação dos documentos, ou à última data de
embarque ou ao período para embarque.
O Primeiro Beneficiário pode, também,
reservar-se o direito de efetuar troca de documentos (principalmente, da
fatura comercial) quando estes forem apresentados ao Banco Designado. Pode,
inclusive, proibir que emendas posteriores sejam avisadas ao Segundo
Beneficiário.
Todas as despesas de transferência correrão
por conta do Primeiro Beneficiário.
2. Créditos Back-to-Back (back-to-back
credits)
A expressão é utilizada no plural em virtude de compreender
dois Créditos. Utilizado em operações triangulares, onde um intermediário –
comprador dos bens do produtor – atua como vendedor ao comprador final. Do
comprador final, esse intermediário exige um Crédito (1º Crédito). Com base
nesse 1º Crédito, solicita a emissão de outro Crédito (2º Crédito), em favor do
produtor dos bens. O primeiro Crédito, do qual é Beneficiário, o intermediário
oferece ao Banco Emitente do 2ª Crédito, como garantia.
Este Crédito, na prática, muito se assemelha ao Crédito
Transferível, porém, com a diferença que, neste caso, tem-se a presença de
dois Créditos.
Não se confunda os Créditos back-to-back com as operações back-to-back. Estas operações podem
ocorrer sem o uso do Crédito, ou seja, podem ser conduzidas em outras
modalidades de pagamento.
3. Crédito
Rotativo (revolving credit)
É o Crédito que, após a sua utilização, se
reabilita, se renova – sem qualquer emenda – podendo ser reutilizado conforme
condições nele estabelecidas, respeitada a sua validade.
Pode ser rotativo em relação ao valor ou em
relação ao tempo.
Se rotativo em relação ao valor, a
importância do Crédito é restabelecida após a sua utilização, por um período
previamente combinado. Como não existe regulamentação própria para a cláusula
de rotatividade, ela deve expressar com clareza a sua condição de utilização,
particularmente sobre o restabelecimento do Crédito: se o seu restabelecimento
ocorrerá na apresentação dos documentos ao Banco Designado, no recebimento dos
documentos pelo Banco Emitente ou Confirmador ou se será restabelecido em
virtude de outro evento.
Se o Crédito for rotativo em relação ao
tempo, por exemplo, utilizável até uma certa importância, por mês, por um certo
período (6 meses, 1 ano, etc.), significa que o Crédito é utilizável,
automaticamente, por aquele valor, a cada mês ou cada período indicado. Estes
Créditos podem ser cumulativos ou não cumulativos. Se cumulativos, os valores
não utilizados nos períodos anteriores podem ser utilizados nos períodos
seguintes. Se não cumulativos, os valores não utilizados não poderão ser
utilizados nos períodos subseqüentes.
O Crédito rotativo em relação ao tempo não deve ser confundido
com o Crédito com embarques escalonados, de que trata o art. 32 da UCP 600.
Este Crédito é emitido pelo valor total dos bens a serem embarcados dentro de
uma programação quinzenal, mensal ou com outra periodicidade. Caso deixe de
fazer qualquer utilização, o Beneficiário deste Crédito ficará impedido de
utilizar aquela parcela e qualquer outra subsequente
4. Cláusula
Vermelha (red clause)
Trata-se de cláusula que permite pagamento
parcial ou total do valor do Crédito previamente ao embarque da mercadoria,
portanto, sem a apresentação de documentos. O pagamento é feito contra recibo.
É, na prática, um pagamento antecipado dentro de um Crédito e tem como
finalidade fornecer suporte financeiro para o Beneficiário poder produzir a
mercadoria.
É necessário analisar sob que condições está
sendo operada a red clause: se na
forma de adiantamento ou na forma de pagamento.
5. Cessão
de Resultados (assignment of proceeds)
O Beneficiário de um Crédito poderá ceder a
terceiros os direitos presentes ou futuros originários de tal instrumento,
mesmo que um Crédito não seja transferível, conforme estabelece o art. 39. Isto
ocorre, principalmente, quando o Beneficiário, sendo intermediário na
operação, está incapacitado de transferir o Crédito ou de mandar emitir um
Crédito back-to-back, para atender o
fornecedor.
A cessão de resultados ou cessão de direitos
de que trata o artigo, refere-se tão-somente ao produto da utilização do
Crédito e não ao direito de cumprir o Crédito (ou a obrigação de cumprir os
seus termos e condições). Aí reside a diferença fundamental entre
transferência e cessão. Na transferência, o Beneficiário transfere direitos e
obrigações. O segundo Beneficiário tem de cumprir o Crédito para beneficiar-se
do seu resultado, o pagamento. Na cessão, o cessionário não cumpre o Crédito:
apenas desfruta dos seus resultados.
A cessão de que se trata poderá ser feita a
terceiros não interessados no Crédito, mas interessados em outros negócios do
Beneficiário. O Beneficiário, por exemplo, é tomador de um empréstimo bancário
e, para liquidá-lo, cede os direitos que tem por conta de um Crédito.
Como indicado no art. 39, o Beneficiário
poderá “ceder qualquer produto das utilizações a que tenha ou venha a ter”.
Ora, se o cessionário está diante de uma cessão de resultado futuro, significa
que o Crédito deverá ser cumprido pelo cedente-Beneficiário para que se produza
o resultado. Se o Crédito não vier a ser cumprido, por qualquer razão, nulo
será o seu resultado.
Isto posto, como ao cessionário não é transferido o direito de
cumprir o Crédito e, portanto, não detém o controle da operação, a cessão
somente poderá ser considerada segura quando os bens já foram embarcados e os
documentos apresentados, em ordem.
Ressalte-se, ainda, que o Crédito não é instrumento
transmissível por endosso e, portanto, nem a transferência nem a cessão de
resultados são efetuadas por esse meio. Esta, em regra, respeitada a legislação
vigente no país onde se realiza, será feita por meio de instrumento de contrato
de cessão de direitos ou instrumento similar.
Angelo L. Lunardi
lunardi.lunardi@Hotmail.com
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